Arquitetura & memória
Aproveitando o gancho da repercussão na mídia da morte da efêmera Amy Winehouse, perguntaria: por que os jovens estão morrendo ou se matando tão cedo?
Sob outro viés de reflexão temática, na contramão dessa indagação, lembraria arquitetos que também foram jovens e chegaram à maior idade, deixando, ao morrer, lições inesquecíveis a exemplo de personagens do filme do diretor australiano Peter Weir “Sociedade dos poetas mortos”, cuja epígrafe carpe diem nos aconselha a viver a dor e a alegria de cada dia.
Ao entrevistar Oscar Niemeyer, nos anos 80, para a revista AU, ele comentou, recordando-se de antigos companheiros: “quanto mais vivermos, mais amigos veremos partir…”
O sábio comentário reacendeu minha memória, quando, recentemente, recebi a notícia sobre a morte dos arquitetos João W. Toscano e Fábio Penteado, dois expoentes da Arquitetura Moderna paulistana, que tive o privilégio de conhecer e entrevistá-los, na minha condição de jornalista.
Numa entrevista para o Boletim impresso do IAB/SP, Fábio Penteado enfatizou o momento difícil que enfrentou ao assumir a direção do IAB, em 1966, em plena ditadura militar. Quando, a duras penas, lutou pela liberdade de expressão dos arquitetos.
Quanto ao Toscano, eu mantinha uma relação especial, pelo fato dele ter nascido em Itu e eu em Salto, duas cidades próximas do interior paulista. Itu, a cidade do sapo, um anfíbio persistente, onde tudo é grande. E Salto, a cidade do mandi, peixe de água doce que, ao sair da água, costuma emitir um som semelhante a um choro, como a protestar contra a morte.
A partir, enfim, da notícia, me recordei de vários arquitetos-icone que já partiram e que conheci, ao longo de minha saga profissional.
Pra começar: o mestre Lúcio Costa, que ao lado da jornalista Lívia Pedreira, atual editora da revista “Arquitetura & Construção”, da Editora Abril, tive o privilégio de entrevistar
Surpreso, diante de tantos livros e revistas, inclusive exemplares da revista AU, espalhados pelo chão de seu apartamento no bairro do Leblon, Rio, provoquei:
– Oi, mestre, quanta cultura!
– Cultura? É tudo lixo! .
Aliás, o idealizador do Plano Piloto de Brasília, diagramada em forma das asas de um avião, foi quem enviou um simpático bilhete manuscrito para a Redação, elogiando o antigo logotipo em verde e azul da revista AU. Título registrado em Marcas e Patentes pelo empresário Sérgio Pìni, quando seu filho, Mario Sérgio Pini, concluía o curso de Arquitetura na FAU/USP, nos anos 80.
Oscar Niemeyer e Lucio Costa
Vale ressaltar: ao surgir, em 85, por um equívoco abençoado da jornalista Haifa Y. Sabbag, a publicação que deveria ser apenas uma separata sobre o XV Congresso da UIA no Cairo, Egito, revolucionou o mercado editorial brasileiro especializado em Arquitetura e Urbanismo.
Além de Lúcio, invocaria outros poetas arquitetos inesquecíveis. A começar: o imortal Oswaldo Bratke. Que, certo dia, depois de almoçar a seu lado, de sua esposa e de seu filho Carlos Brakte, em sua residência do Morumbi, me conduziu, na altura de seus 80 e tantos anos, até a Editora Pini, dirigindo seu elegante Galaxie.
Outro: Abrahão Sanovicz, o “China”, que certo dia defendeu este repórter, quando ao gravar um debate polêmico entre Paulo Mendes da Rocha e Joaquim Guedes, não agradou o querido mestre Paulinho.
Por sinal, o grande urbanista e polêmico Joaquim Guedes, eleito presidente do IAB/SP, em 2007, com o apoio maciço dos arquitetos do Interior paulista, morreu atropelado no dia 28 de julho de 2008, em circunstâncias enigmáticas.
A eles, acrescentaria, in memoriam, outros nomes. A exemplo do condotiere Vilanova Artigas, formador de tantas gerações de arquitetos paulistas, cuja última entrevista foi concedida, então, à sensível repórter Livia Pedreira.
Acacio Gil Borsoi
Outros: os pernambucanos e amigos ex core, entre os quais, Acácio Gil Borsoi, Alexandre Castro e Silva, Vital Pessoa, Ricardo Gama e Janete Costa. Autora do livro “Viva o povo brasileiro”, a divina Janete dignificou o artesanato popular nordestino.
Tem um Post sobre o casal Acácio Gil Borsoi e Janete Costa
Além, é claro, das militantes Melânia Forest e Jussara Dantas, cuja tumba minimalista, em João Pessoa, foi projetada pelo promissor Oliveira Jr.
Não poderia me esquecer do visionário Sérgio Bernardes, do instigante Éolo Maia e de Álvaro Hardy (Veveco), um excelente arquiteto, além de mestre-cuca de mão cheia, conforme lembra Zeca Brandão, que certa vez reuniu um grupo de arquitetos mineiros para um “banquete de babete” , em Recife.
E, também, lembraria de Rubens Gil de Camilo, afogado ao tentar salvar um amigo num rio do pantanal. Conheci Gil, quando fui fazer uma reportagem sobre o belo edifício da TV Cultura projetada pelo brilhante Roberto Montezuma, em Campo Grande..
Da lista dos poetas do Além, não poderia excluir o nome da meiga jornalista Laila Y. Massuh, correspondente da AU na América Latina, revelando-nos arquitetos emblemáticos, como os argentinos Clorindo Testa e Miguel Roca, incluindo os críticos Jorge Glusberg e Marina Weisman etc.
MASP-SP Lina Bo Bardi, Foto Cristiano Mascaro
Além disso, como se esquecer da diva Lina Bo Bardi e do cavaleiro Miguel Forte, com quem me cruzei, na última vez numa cadeira de rodas, a exemplo de Zanine Caldas? Ou do militante Carlos Maximiliano Fayet, defensor incansável, ao lado de Jose Carlos Ribeiro (Zeca) pela aprovação do CAU, atualmente em processo de estruturação. Aleluia!
Lina Bo Bardi, foto Thomas Scheierz
Ao concluir, recorro a uma anedota contada por uma criança no quadro “Talentos jovens kids” do programa do apresentador Raul Gil. Ou seja: a professora pergunta a seus alunos o que desejariam que as pessoas dissessem no velório de cada um.
– Ah, que fui um grande médico, um grande arquiteto etc.
– E você, Joãozinho?
– Olhem: ele está se mexendo!
Com certeza, seria o que todos os que se foram e os que hão de ir desejariam. Enquanto isso, aos que vivem o tempo de prorrogação, como diria o professor Alberto Xavier, carpe diem: viva cada dia, cada momento, pois a vida não tem um plano B. Amém!
José Wolf